quinta-feira, 20 de março de 2014

Albano, a Beterraba

Ervilhá!

Decidimos criar, na lata, um consultório de apoio a todos os legumes. Temos aconselhamento matrimonial, profissional, económico e muito mais. Hoje, partilhamos com vocês um desabafo que nos tocou particularmente, de Albano, uma beterraba frustrada. 

"Olá, prazer. O meu nome é Albano Francisco da Horta, sou uma beterraba. Toda a minha vida apreciei a minha cor, no entanto, com o passar do tempo, sinto-me saturado da vida de beterraba. Vou partilhar com vocês, caras e queridas amigas ervilhas, os meus dramas diários.

Tenho uma esposa, a Josefa, Juju para os amigos - eu sou obrigado a tratá-la por Josefa. É sem dúvida uma beterraba com muitos atributos físicos mas sejamos sinceros, a idade passa por todos e já não é tão jovem assim. O nosso casamento está à beira do fim. Além dos atributos físicos, a Josefa tem alguns problemas do foro psicológico, alterações de humor repentinas e constantes. É uma questão comum e profundamente preocupante nas beterrabas. Somos o legume com mais predisposição para este problema, segundo o Instituto Leguminal de Estatística.

Se ela decide fazer o jantar, está bem disposta. No entanto, o calor do fogão, forno e das panelas provoca súbitas oscilações de humor. Ora, estas alterações durante a confecção de uma refeição podem ter consequências catastróficas. Um dos episódios mais aterradores acorreu na semana passada, quando tentou fazer sopa com a nossa filha Matilde. Sim, as mudanças de humor despertam na minha esposa desequilibrada instintos canibais. Não é nada fácil reagir perante estas situações, ela fica completamente descontrolada e é verdadeiramente assustador. Naquele dia, a única solução que encontrei após agitá-la, gritar-lhe, abanar um leque para a refrescar e fazer alguns agachamentos enquanto pensava numa solução para por fim àquela crise, vi-me obrigado a agredi-la com uma panela de brincar do meu filho Telmo.


Consegui salvar a Matilde, mas arranjei mais duas crises. A do meu filho Telmo, que esperneou a noite toda por eu lhe ter arrancado uma asa da panela durante a agressão, berrou que nem um porco na matança, a Matilde esteve quase na panela e não fez tanto barulho. E ainda a crise da minha mulher, que ao voltar ao seu estado normal, quis vingar-se de mim. Foi naquele dia que passei a ser vítima de agressão por parte da Josefa. Agrediu-me durante duas horas e treze minutos, até eu conseguir deitar a mão à minha cachopa Matilde e oferecê-la para o jantar como os satânicos oferecem animais ao diabo.


Uma das vantagens de ser uma beterraba é não ficar com hematomas, caso contrário os meus amigos iriam fazer pouco de mim. Desde que a minha mulher deixou crescer o bigode, chamam-me "Albana" e perguntam-me pelo Josefino, "o meu marido".


Com tudo isto, o meu filho não me fala há uma semana e disse que só volto a ser pai dele quando lhe der um serviço de cozinha completo da IdeiaCasa e um serviço de jantar da Vista Alegre. A Matilde nega o trauma mas não voltou a comer sopa, não entra na cozinha e se alguém disser 'panela' ela começa a fazer o pino e a cantar "I Will Survive" aos berros enquanto chora. A Josefa, dá-me três palmadas todos os dias, uma de manhã, uma ao almoço e uma antes de ir dormir. O meu traseiro não tarda a transformar-se em puré de beterraba. Nunca soube lidar com a flacidez, desde jovem que a ideia de envelhecer me atormenta precisamente por isso e pelo pavor às rugas.

Ervilhas, isto é um pedido de socorro recheado de dor, pânico e desespero. A minha mulher precisa de ajuda profissional e eu até já contratei um repolho psiquiatra mas sabem qual foi o meu jantar no dia da primeira consulta? Sopa de repolho. Tive de esconder o cadáver do doutor nas minhas entranhas.

Aguardo uma resposta certeira que possa devolver-me uma vida normal e salve a minha família. 
Um abraço, Albano.

P.S. Não me despedi com uma amigável palmadinha no traseiro porque não me sinto à vontade para vos deixar tactear o meu traseiro flácido na retribuição da despedida."

Pedimos compreensão e um minuto de silêncio pelo nosso amigo Albano que se encontra numa situação tão delicada.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Revolta do Comando

Ora viva, ervilhas!

Tenho um pequeno problema. O meu comando odeia-me. E é que não é o primeiro comando a não simpatizar comigo. E começou a revolta. Quando não está mais ninguém na sala, insulta-me e faz um barulho extremamente irritante e perturbador, não sei se é assim que os aparelhos eléctricos choram mas por amor de ervilheus, arranjem lá uma choradeira mais adulta.

Até hoje, não entendia o porquê de o meu comando me odiar. No entanto, ultimamente, tem tido atitudes mais preocupantes que o choro electrónico. Chegou, há uns dias atrás, a fingir-se de morto (ou avariado, como quiserem) para a mãe ervilha me demonstrar como sucedeu o ataque à primeira torre no atentado do 11 de Setembro. Sendo eu a torre e a cadeira que ela fez voar até mim o avião. Isto enquanto o comando mudava constantemente de canal seguindo esta ordem: 22, 1, 9, 19, 16, 5, 4, 9, 18, 16, 5, 18, 4, 1, 15. Seguindo o Método de Comunicação dos Comandos Maléficos - MCCM, um livro bastante elucidativo que posso emprestar, caso precisem -, obtemos a mensagem cruel. Este método consiste em numerar o alfabeto de 1 a 26 e fazer corresponder o número do canal a uma letra, o 1 é o A, o 2 é o B e assim sucessivamente. Os números dos canais pelos quais o comando passou correspondem às seguintes letras: v, a, i, s, p, e, d, i, r, p, e, r, d, a, o. O que resulta na mensagem: "vais pedir perdão". 

Perdi horas de sono e perdi programas que queria ver e o comando não deixou. Hoje perdi um dos meus episódios preferidos dos Ervilhinsons, que é uma série ligeiramente melhor que a que os humanos vêem, "The Simpsons". Vá, é quase a mesma coisa só que na nossa versão eles são verdes. Irritada, decidi falar com o comando. 

Agora percebo o porquê de todo o ódio. A culpa é minha. Todas as quedas e todos os voos que provoquei. Todas as feridas e peças partidas graças a mim. Todas as vezes que, por causa de mim, o pobre comando deslocou as pilhas. Desculpa comando. Perdoa as minhas mãos de manteiga. Eu não te quero partir nem nada do género, mas também tens tendência a escapar-me das mãos, gostas de adrenalina. É um mistério da vida isto de passar a vida a mandar o comando ir conhecer um pedaço de chão ou até mesmo de parede da minha sala aqui na Lata.

Um dia a revolta acaba e os comandos vão deixar de me perseguir. Provavelmente quando conseguirmos mudar de canal com o poder da mente. Vivo para esse dia.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Adeus, Férias

Ervilhá!

*Aconselha-se a todas as ervilhas leitoras que leiam as próximas linhas calmamente e conscientes de que o fim das férias é um tema delicado e extremamente dramático.*

Chegou o dia. O último dia (útil) de férias. Ai, a dor de o dizer. As lágrimas já perdidas no meio da lata. Hoje, caras ervilhas, é o último dia da boa vida. Adeus acordar tarde. Adeus ao almoço transformado em pequeno almoço. Adeus ao pijama até meio da tarde. Adeus às maratonas de séries e de filmes. Adeus. Escrevo, chorando.

À minha frente, estão mais cinquenta e nove dias de aulas, testes, trabalhos, manhãs difíceis e afins até às férias do Carnaval. Deu trabalho contar os dias. Isto das férias faz-me desligar a ficha. Choro compulsivamente. Limpo o ranho à camisola e digo para mim mesma "eles não precisavam de saber isto". Decido fazer parágrafo.

Fiz. Tento pensar noutro aspecto negativo do fim do meu amor de inverno -tentativa de referência ao chamado 'amor de verão'- com o meu sofá. Já sei como vai ser. Ele mergulha numa paixão que o deixa caído num estado bastante crítico. No seu assento fica marcada a minha forma sensual de ervilha. Chora sempre que saio para a escola e chora ainda mais quando volto porque me vê a trocá-lo pela cadeira velha e desconfortável atrás da secretária, onde faleço abraçada por livros e cadernos. Sofrimento que nos afecta a ambos, que nos corrói e mata por dentro. Não te quero deixar, sofá. Obrigada por todas as horas de aconchego e amor. Pelo carinho e paciência durante estes dias maravilhosos. Não me esqueço de ti. Eu vou voltar, em Março. E talvez te consiga visitar nos fins-de-semana até lá.

Agora à minha cama. Minha fofinha. Vou ter menos, muito menos tempo para ti. Mas todas as noites te vou nutrir e todas as manhãs vou chorar para te abandonar. E não, não é traição, sabes que gosto de ti de maneira diferente do sofá. Já passámos por mais. Serei sempre a tua ervilha. Com dor e algumas lágrimas, prometo que te compenso nas pseudo-férias do Carnaval. E quanto aos fins-de-semana, serei sempre tua. Sabes que se dependesse de mim, nunca te deixaria. Um beijinho na almofada e uma meia no fundo dos lençóis para não te esqueceres de mim.

Espero que o vosso regresso, mesmo que seja mais tarde ou que já tenha sido, implique/tenha implicado menos sofrimento. Vou continuar a chorar e a sair da cama para o sofá e vice-versa.

Adeus, férias. Ainda não acabaram e já tenho saudades vossas.